Crianças com transtorno do espectro do autismo são, como crianças, predispostas a distúrbios orgânicos como os do trato gastrointestinal, que causam muito desconforto, dor, insegurança e tantos outros sentimentos difíceis de se lidar. Assim, precisam prontamente ser acolhidos e sustentados pelos pais ou cuidadores. E se essa criança é não verbal ou com uma linguagem expressiva de poucos recursos, como ela nos comunica seu desconforto? Estamos reconhecendo e ajudando a resolver esta dor?
Quando recebo uma criança no consultório, cada movimento, expressão e, principalmente, as “estereotipias” me chamam atenção. Isso porque aprendi que, muitas vezes, elas são um canal de comunicação, uma forma de avisar que não estão bem, que sentem dor e que uma mordida pode indicar o limite do insuportável.
As manifestações se repetem, por exemplo: o pano na boca, a compulsão alimentar, soluços, a “baba inexplicável” em crianças com mais idade. Surpreendentemente, muitas dessas manifestações se resolvem ou se atenuam após o diagnóstico e tratamento, como acontece na esofagite por refluxo gastroesofágico, por vezes associado a uma alergia alimentar. Sim, o pano e o alimento ajudam a minimizar a dor da azia, pois a saliva com pH alcalino, quando deglutida, neutraliza a acidez do conteúdo refluído, trazendo um conforto temporário.
O risco coloca-se em que sinais comuns às manifestações gastrointestinais fiquem creditadas unicamente ao autismo. As estereotipias podem melhorar muito depois do tratamento adequado, inclusive gerando progressos nas habilidades de comunicação. Essas melhoras são decorrentes do controle de processos inflamatórios sistêmicos, muitas vezes desencadeados por acometimento do trato gastrointestinal. Então, manter a saúde dos intestinos impacta na saúde do indivíduo de forma sistêmica. Outro exemplo comum e de grande impacto é a constipação intestinal. A retenção das fezes, com distensão abdominal, associada a evacuação dolorosa e endurecida, possibilita o crescimento de microrganismos nesse ambiente. A diminuição do ritmo de evacuações e a desorganização da flora intestinal (disbiose) podem causar um aumento na permeabilidade do intestino e absorção, entre outras substâncias, como as de proteínas da dieta, levando a uma alergia alimentar. Essa condição tanto pode se apresentar com evacuações líquidas ou pastosas, diárias e em número de vezes aumentado, como também com a constipação intestinal. Ambas causam muita dor e desconforto, que muitas vezes não são percebidos, principalmente na criança não verbal. Essas condições inflamatórias atingem o cérebro, interferindo no seu desenvolvimento. Atualmente, os estudos retrocedem ao momento da gestação e do nascimento, questionando o quanto a neuroinflamação materna e as que ocorrem após o nascimento, como as alergias alimentares, entre outras, interferem no neurodesenvolvimento, como nas regressões e no ganho de habilidades. Quem lida com uma criança autista precisa olhar suas reações e suspeitar dos acometimentos orgânicos que, muitas vezes, exacerbarão os comportamentos já conhecidos no transtorno do processamento sensorial. Sem o diagnóstico e o tratamento adequados, ocorrerão atrasos nos possíveis ganhos com as terapias.
Dra. Monica Müller Taulois – Gastropediatra da Associação Caminho Azul, Mestre em Ensino de Ciências da Saúde - UNIFESP., Profa. Adjunto Mestre UNIGRANRIO/AFYA
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