Por Karina Soares e Maritza Franklin Mendes de Andrade
Uma separação conjugal é, por si só, um período em que o casal e, sobretudo, os filhos atravessam um momento de perdas, que muitas vezes chegam a trazer consequências emocionais e psíquicas importantes para todos os envolvidos. É nessa fase, com o divórcio consumado ou não, que se apresenta o drama de quem vai ficar com os filhos.
Muitas serão as perdas a serem enfrentadas e elaboradas, e cada membro da família envolvido nesse processo terá seu próprio trabalho de elaboração do luto. A família idealizada desmorona, e cuidar dos efeitos dessa perda se torna fundamental para a saúde psíquica e emocional de todos.
Em meio a conflitos e negociações, os adultos protagonistas da situação experimentam, na maioria dos casos, afetos mais primitivos, revivendo questões da própria história familiar pregressa. Essa confusão, muitas vezes, os impede de olhar para os sofrimentos dos filhos, fazendo com que fiquem aprisionados em seus narcisismos feridos. Pensar no bem-estar dos filhos, assegurando que o ambiente possa seguir um curso de continuidade mínima necessária para a constituição da subjetividade, mostra-se a melhor direção para encaminharmos essa situação.
A psicanalista francesa Françoise Dolto muito se debruçou sobre as questões das crianças na situação do divórcio. Ela se preocupava com a “integridade” corporal das crianças nesse momento de desconstrução familiar. Parece-nos que é nessa mesma linha que o atual funcionamento do direito da família em nosso país se coloca, propondo a Guarda compartilhada. No Brasil, até 2014, a guarda dos filhos ficava, na grande maioria dos casos, sob os cuidados maternos, estabelecendo-se alguns períodos de “visitas” para o pai, na chamada guarda unilateral. A partir desse ano, com a nova lei federal de número 13.058, foi estabelecida a Guarda compartilhada como regra, estabelecendo que ambos os genitores – pai e mãe – ficam responsáveis pela criação e tudo o que diz respeito aos filhos.
Estabelecem entre si, com a ajuda de um profissional do direito da família, os modos como dividirão o cotidiano, a distribuição do convívio dos filhos com cada um, e discutem, juntos, assuntos como mudanças de escola ou outros. Os filhos, em geral, principalmente em tenra idade, terão um único lar como referência e não caberá aqui sua alternância. Em outras palavras, esse modo de guarda viabiliza que ambos continuem exercendo seus papéis parentais apesar de os papéis conjugais terem sido dissolvidos. A marca simbólica da presença de ambos os pais/genitores é o eixo principal da proposta.
Lembramos que não há um modo único de construir a divisão das responsabilidades entre pai e mãe e que uma importante contribuição da psicanálise é nos descolar da biologia mãe=mulher e pai=homem, pois as funções maternas e paternas acontecem independentemente da condição biológica do casal (hetero ou homoparental). Os filhos precisam ser olhados e cuidados, e é fundamental assegurar seu bem-estar dentro do momento caótico a que pode chegar um processo desse tipo. A integridade emocional e física das crianças deve ser o norteador para orientar os pais e também os profissionais envolvidos nessa nova etapa da vida, em que uma reconstrução é possível após o desmoronamento.
Karina Soares – Psicóloga e psicanalista, integrante do Entrelacer Psicanálise & Infância.
Maritza Franklin Mendes de Andrade – advogada, mediadora de conflitos, mestre em Direito Civil, presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/SJC, coordenadora do Núcleo do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família de São Jose dos Campos.
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