top of page
Equipe Entrelacer

Maternidade e contemporaneidade

Por Paula Komniski



O estilo de vida contemporâneo, marcado, entre outros aspectos, pela redução dos núcleos familiares e pelo fechamento desses núcleos em si mesmos, reduziu o contato dos pais de[?] recém-nascidos com a família extensa. A presença das avós, das tias, das mulheres mais experientes tem sido cada vez mais rara ou mais delimitada no tempo. Para preencher a falta deste suporte emocional, observamos um outro fenômeno da contemporaneidade: o surgimento de grupos de apoio, fóruns de discussão, PodCasts, livros, entre outros instrumentos da vida moderna aos quais os pais podem recorrer para tirar dúvidas, pedir ajuda, compartilhar experiências e angústias.

Observamos, nesses espaços, a liberdade dos participantes para falar abertamente sobre temas que, até pouco tempo, eram considerados tabus. Assuntos como depressão pós-parto, crises conjugais, dores (dor para parir, para amamentar, para amar: amar o bebê que acabou de chegar, voltar a amar o parceiro, a própria mãe, o trabalho) vêm se tornando, cada vez mais, abordados, e os elementos dramáticos da chegada de um bebê podem ser discutidos sem o manto da idealização da maternidade.

A romantização desse evento parece ter como função obnubilar o fato de que a chegada de um filho submete, invariavelmente, a mãe, o pai e a relação conjugal a perturbações muito significativas. As crises conjugais frequentemente relatadas (mais comumente, após a chegada do primeiro filho) nos ajudam a compreender que tal acontecimento produz um movimento que podemos considerar como cataclísmico. O nascimento de um bebê modifica o equilíbrio e a paisagem intersubjetiva na qual se encontra o casal, podendo vir a ter consequências potencialmente deletérias.

Surge, neste novo contexto, a possibilidade de se questionar a biologia pura do nascimento bem como a naturalidade do acolhimento do bebê recém-chegado. O amor materno como algo instintivo deixa de ser a norma, abrindo espaço para a desconstrução da maternidade como lugar sagrado. Mães são seres humanos com inconsciente, com histórias de vida complexas e, por vezes, traumáticas. Com a chegada do bebê, pode também vir à tona a carga emocional presente nestes seres de linguagem, trazendo à luz, junto com a criança, elementos primitivos e ambivalentes que precisarão de atenção e cuidado.


Paula Komniski - psicóloga e psicanalista. Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília. Atua em consultório particular atendendo crianças, adolescentes e adultos.

206 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

תגובות


bottom of page