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Daniela Taulois

O que é preciso falar com as crianças?

Somos surpreendidos com perguntas inesperadas dos pequenos: criança também morre? Você já foi assaltada? Como entrei na sua barriga para nascer? Por que há guerras? Meu amigo não tem pai? Ou tem duas mães? E por aí vai...


Se para alguns pode ser tranqüilo responder, para outros pode ser extremamente complexo, quer dizer, ambíguo mesmo, pois sentem que precisam dizer algo mas resistem a entrar em temas tão subjetivos com pessoas que parecem ainda não ser capazes de compreender.

Entretanto o dilema está posto: para constituir um saber sobre algo, é fundamental que se fale com a criança. É certo que esta ainda não dispõe de todos os recursos de fala, compreensão e elaboração para tratar de temas mais profundos e cheios de ambigüidades sobre a natureza humana, mas não falar não encerra de modo algum a questão.


Diante do que vê e ouve, do que vive, a criança cria suas versões sobre os acontecimentos. Ainda que não fale sobre isto com alguém, ela percebe, imagina, fantasia, pensa, com os recursos que tem, o tempo todo, sobre tudo ao seu redor, as relações, a sexualidade, a morte, as leis e os limites, sobre ela própria, etc...

Contextualizando um pouco, sabemos que as crianças estão atualmente mais expostas às informações, imagens, contextos familiares e sociais diversos, participando intensamente da cena pública e privada. Entretanto, o que os pequenos captam do que os adultos falam, o que eles escondem, onde ficam mais confortáveis para dizer algo e onde se constrangem provocam sobremaneira a curiosidade nas crianças. Assim vão tendo sinais daquilo que provoca a reação dos adultos, do que lhes interessa, o que para a criança conta bastante.


Começam assim as perguntas, onde vão se construindo as versões sobre os interesses das crianças. Estas vão se sobrepondo umas as outras, onde a criança cria suas próprias respostas em sua imaginação, a partir do que percebe ao seu redor. Por isso as perguntas infantis não são fáceis algumas vezes. Elas tocam aquele ponto difícil para todos, que a criança viu que o próprio adulto se incomodou. Como efeito, podem surgir as perguntas e, às vezes, as explorações com outras crianças e brincadeiras que dão vazão a curiosidade infantil.


Como visto, trata-se de um processo da investigação infantil sobre as questões fundamentais da vida. Não é preciso dar aula para a criança sobre tudo. Não se trata disto. Ela trará o tema que lhe interessa, até onde pode alcançar. E, quando os pais fazem um comentário, tecem um outro dizer sobre esta versão criada pela criança, oferecem um campo aberto para “deixar-se pensar”. A criança assim vai se constituindo através das experiências destas novas versões. Há um aspecto protetivo quando se pode estender um pouco a versão da criança e esta aceita dividir, trocar ideias.

Incluir a palavra dos pais em temas complexos, o que obviamente nem eles próprios dominam as respostas integralmente, implica que possam reconhecer em cada filho a sua sensibilidade, seu desejo de saber, até onde ir, pois cada filho tem seu tempo para compreender um acontecimento subjetivo.

É preciso falar com as crianças para que elas não fiquem apenas entregues às suas próprias versões, suas respostas imaginadas, sobretudo em tempos de muita exposição a imagens e informações.


T. 7 anos diz: Não agüento mais ver enterro da rainha!

– O que aconteceu com ela?

– Morreu!

– Como?

– Velhice

– E agora

– Vão enterrar ... o que vai acontecer embaixo da terra ... algum bicho vai comer ... tatu?

– Tatu não come pessoa morta. A pele e a carne da pessoa vão se desfazendo aos poucos e fica só o osso.

– Toda hora fica passando enterro da rainha!


Não é possível saber o que ficou desta pequena conversa, mas parece que T., ao ver o caixão da rainha, cria algumas hipóteses sobre enterro e morte, da rainha, que morre como todos.


Há uma diferença importante entre falar com a criança reconhecendo seu lugar de um sujeito que está se constituindo, portanto, respeitando este tempo que precisa para acessar algumas informações ou deixá-la participar de tudo, ouvir tudo, como se não estivesse ali e ficasse mais preparada por ser informada de tudo. O tempo conta muito. Tem hora para saber das coisas e nem tudo é para ser dito. Não se pode esquecer que a criança, como qualquer sujeito, se sente invadida em sua intimidade se o adulto não respeita seu momento e espaço.

Quando elabora uma pergunta, será importante para a criança encontrar alguém com quem amplificar suas idéias ou mesmo ter informações. Ela escuta quando encontra algum sentido. Por vezes reage a informação como se não desse ouvidos. Neste caso, ou não era hora ou melhor esperar o que este encontro provocou como efeito.




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