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Daniela Taulois

Os limites nas crianças

Atualizado: 5 de abr. de 2022

Vivemos um tempo onde muitos pais encontram dificuldades para fazer valer regras simples em suas casas e de reações intensas por parte das crianças às restrições que lhes são impostas. Em parte, isto se deve às mudanças culturais onde predomina a ideia de satisfação sem limites; objetos acessíveis, rapidez, imagens de completude e felicidade. Esta contingência em nada facilita a vida aos pais na tarefa de transmitir a lei que permite a organização psíquica de seus filhos. Os pequenos passaram a poder fazer tantas escolhas, pedidos sem fim, exigências, que chegam a desorientar os pais sem saber onde e como parar. As supostas necessidades das crianças, seus aparentes desejos, passam a determinar parte do funcionamento das famílias e modos de satisfação para todos.

Da outra parte, cada um traz consigo as marcas da própria história com as faltas inerentes a vida, as proibições, as interdições, o modo como admitiu psiquicamente submeter-se às regras; o que as crianças captam e aprendem espontaneamente na relação que vivem com seus pais.

Reunidos tais elementos fica evidente como se tornou mais trabalhoso sustentar os limites e as leis que vão organizar todo o campo psíquico e social das crianças, inclusive pelos pais estarem igualmente imersos nas promessas de realização que a cultura atual oferece. Vemos pais desacomodados nos modos de dar limites e cuidar, buscando apoios de vários tipos em prol das melhores condições de desenvolvimento para os filhos, mas significativamente desamparados. Por sua vez, a criança sinaliza através de manifestações e sintomas justamente o andamento desta transmissão fundamental que organiza seu modo de estar no mundo, tais como a birra, descontroles, insatisfações, falta de limites, recusa às regras.

Na birra a criança demonstra insatisfação, mas exibe concomitantemente um possível atravessamento em curso da ideia onipotente, de que ela, pode se realizar em tudo que imagina. Quando eventual ou circunstancial, sendo possível restabelecer-se com palavras ou outros interesses, aponta a separação necessária para a criança suportar o que lhe falta, buscando tornar válidos seus interesses. Entretanto a birra diária, desesperada, exigente, onde a criança parece não conseguir encontrar o ponto onde parar, o limite que regula o que lhe é possível, provoca mal estar a todos e dificulta as trocas.

Julia chora tanto que assusta quem está ao seu redor, após lhe ser retirada o brinquedo. Descontrola-se mas pouco depois encontra outro interesse, passando a brincar. João, ao ser contrariado, permanece todo o passeio irritado, sem falar, precisando de muito suporte para retomar suas interações e voltar à brincadeira. Luana deixa a todos em sobressalto pois ao mínimo imprevisto, a choradeira e birra parecem intermináveis. Exemplos de modos diversos onde a criança faz suas negociações íntimas com o que suporta que lhe falte. Ao encontrar um limite, a criança convoca os pais no modo como estes vivem o que lhes falta, isto é, relembrar como foram marcados em seus próprios limites.

Dar limite é bem mais do que subordinar uma criança às normas, torná-la obediente. Trata-se de transmitir o jogo essencial à vida: O que fazer com o que nos falta ? Jogo que começa cedo! O bebê pode aprender a esperar, se acalmar, ficar só, depende também dos atos de quem cuida.

“Dar o que não se pôde ter” é o desejo de muitos pais. Ver o filho ter o que não tiveram ou gozar do que não gozaram através dos filhos, seja bem material, educação, qualquer coisa, pode atrapalhar o distanciamento necessário para um filho se descobrir pois a sua realização passa a ser de todos. Como “O pequeno mestre da casa”, a criança se desregula facilmente já que aprendeu a tentar satisfazer continuamente a si e aos outros. A insatisfação pode ser um dos modos de procurar os limites.

Há o que a criança traz consigo ao nascimento mas seu lugar no mundo, a partir dos limites que encontra, será inicialmente com os outros que poderá construir para só então buscar seu rumo!

Daniela Taulois


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1 Comment


fonsecamjt
Aug 31, 2021

Muito interessante. As crianças são negociadoras natas, nós, pais, nen sempre entendemos as suas manifestações e o que é melhor para elas. Muitas vezes jogamos o nosso interesse no diálogo e acção com as crianças, negligenciando a negociação. Afinal "negócio" é um acto bilateral e equitativo - como mãe já o esqueci muitas vezes. Obrigada pela partilha do artigo.

Maria Fonseca

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