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Camila Saboia

Sobre o medo nas escolas

Nos últimos dias presenciamos atentados às escolas, lugar que, a priori, sempre foi visto como uma representação da inserção da criança ao mundo social, ou seja, aquele que vai além de seu núcleo familiar. Um lugar de encontros, aprendizados e também de vivências de regras e leis que mostram à criança que há dizeres que estão além daqueles ditados por suas famílias.... Quando presenciamos jovens que atacam esses estabelecimentos, o que eles pretendem nos dizer?


Para a Psicanálise compreendemos que quando não conseguimos nos expressar pela via da palavra, buscamos via o corpo e via o ato o que não é possível comunicar pela linguagem verbal, é o que Freud denominou como “passagem ao ato”.


Nesse caso, podemos pensar que essas crianças que matam figuras de autoridades ou que matam crianças menores e indefesas queiram dizer algo que lhes escapou via a palavra? Lembremos que para que haja a capacidade de acessar à palavra e a linguagem é necessário a presença de um interlocutor, isto é, figura de um Outro familiar que acolhe ao mesmo tempo que barra a criança levando-a a compreender que na vida não estamos no registro do bel prazer, ou seja, que não podemos vivenciar nossos males apenas pelas nossas regras e princípios... Em outras palavras, não podemos virar o tabuleiro ou abandonar o jogo quando este não nos é favorável.


Winnicott nos diz que é necessário a criança vivenciar o estado de onipotência para acessar o simbólico e constituir-se como sujeito. No processo de seu desenvolvimento psíquico, a criança vai gradativamente se dando conta que este estado é ilusório e que somos, portanto, regidos pelo principio da realidade, que nos convoca a tolerar as frustrações e limites.


Mas o que há hoje na nossa sociedade atual, na qual recebemos cada vez mais crianças certas de sua onipotência, acompanhadas por pais que não se permitem ditar o “não”, seja verbalmente ou oralmente, por medo de “traumatizá-los”? Não seriam eles mesmos vitimas da sociedade narcísica onde o não e o limite do outro é visto como um afronto? Na nossa prática cotidiana do consultório, constatamos cada vez mais pais fragilizados na sua função e crianças vivenciando eternamente o papel de “sua majestade o bebê”, como nos dizia Freud.


Sabemos que a ausência de contorno e dos limites levam a constituição de sujeitos que terão poucos recursos psíquicos para gerenciarem suas perdas e dores, diante dos “nãos” naturais da vida. Da mesma maneira, que sabemos que não há um eu individual sem o social, Freud enfatiza que “o indivíduo seria indissociável do social”.


Nesse sentido, seria interessante pensarmos que a agitação frequente das crianças de hoje- precocemente resumidas em diagnósticos- podem ser traduzidas como verdadeiros apelos de socorro para aclamar a presença de um adulto de referência, capaz de lhe dar os contornos e a escuta necessária para que elas se tornem jovens e adultos capazes de se colocarem no lugar e na dor do outro.... Lembremos que propagar o medo seria justamente impossibilitar meios de diálogos e reflexões, aumentando a lógica da violência, da sociedade narcísica, da solidão, do vazio e do “salve-se quem puder!”.


Camila Saboia

Psicóloga/psicanalista

Membro fundadora do Entrelacer Psicanálise & Infância




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